29.2.08

TRAVESSIA

Malabares de fogo,
mente que arde.
Saio às ruas,
não sou tão covarde.
Minha mente parece nua
e a angústia dos outros me invade.
Mutilo braços,
para um abraço inviável.
Dilacero pernas,
para um andar paralisado.
Quisera saciar a fome
com tal corpo inútil.

Tarde é o agora.


A chama congelou
numa calçada fria
e visto roupas
para agasalhar a alma.


A presença do outro me invade num abraço que é inviável.


O agora é tarde!

A chama morta não mais me chama.


+paradoxalmenteeu_008
série: fragmentos de bar

ENCONTROS

Encontro
Quando dois corpos se chocam denominamos encontro
Uma manifestação do corpo
Um evento da cidade
Epopéia da vida
Busca desenfreada e incessante
Somos sedentários se encontramos alguém
Nômades quando queremos encontrar
Na realidade encontro tem a ver com busca
Utopia de um mundo recriado
Na certeza do encontro com a morte
O que nos resta é encontrar fragmentos
Fragmentos de vida
Fragmentos de tempo
Fragmentos de espaço
Vida, tempo e espaço se perfazem em síntese
Fazem-se todo

... se fazem encontro...

+ paradoxalmenteeu 007

SEMENTE

Fecho meus olhos
E imagino ser o grão de vida semeado no dia anterior
Está escuro
Estou sozinho
Encoberto de terra negra e fecunda
Que me abraça no seu calor materno
Respiro pouco
Para ouvir meu corpo
E a chuva que branda é sinfônica
Me toca na possibilidade do amanhã
Fico imaginando cores, desenhos e texturas
No meu pensamento noturno
Sem nunca ter visto nada além da clausura
Estou envolto
Cristalizado
Em estado latente
Sou a simples recordação do que nunca fui
E a certeza de ainda não ser
Germina dentro de mim a vida
A vaga idéia da luz branca dos meus pensamentos
Aguardo o instante de deixar de ser trevas
A transição ofuscante da ausência para a presença
Dar a luz
Deixar de ser ponto
Grânulo aterrorizado
E me metamorfosear em linhas fototrópicas
Dançantes ao vento
Ser abrigo de pássaros enamorados
E teatro ao canto de um novo nascimento
Crescer em árvore frondosa
Com ramos para tocar o céu
Copa convertida em sombra projetada aos pés
E solitário
Espalharei meus versos ao vento
Numa anemofilia poética de procura
Cartas de folhas abertas
Desprovidas de envelope ou endereço
Simples grãos de pólen
Atravessando campos aos montes
Vencendo o tempo e a distância de alguém perdido
Quero ao fim encontrar descanso
Em corola perfumada
Entregar-me ao sono
Quero germinar parte de mim distante
Como pensamentos fugidios
Sem domínio
Sem pertencimento
E também sem mim
Transformado em substância livre e frutificada
Sou eu no outro
Como idéia madura sem conclusões
Repousado em chão pintado de preto.


+ paradoxalmenteeu 006

PRETÉRITO-MAIS-QUE-PERFEITO


Se eu tivesse feito
Se talvez fosse
Como poderia ser? Se tivesse sido
Como seria? Se se pudesse fazer e ser ao mesmo tempo
Meu eu conjuga verbos mortos
Como se o passado pudesse ter sido
Como se fosse possível existir algo acabado
Minha mente transita entre uma perfeição pretérita
E um futuro mais-que-defectível
A falha é o prenúncio da possibilidade
Território de prospecção
Meus ideais são inscritos na descodificação
No que não é
Nunca no nada
Posto que sou tudo aquilo que está a minha volta

E o que sonho é aquilo que me cerca.

+ paradoxalmenteeu 005