15.6.08

PLATAFORMA DE SUBJETIVIDADES
Andando pelas ruas
Vagando com meus pensamentos
No entrecorte de sombras do dia
Com o pensamento cheio de lampejos...

Do que se trata a interpretação dos “eus” no mundo em que não existe nós?
São corpos expostos nus ao sol e à poeira
De comportamentos
De compartimentos de indivíduos condicionados a um arquétipo
Bloco polido de “eus” arrastado ao longo da história
Desgastado e bruto em sua base
Trincado nas arestas pelas correntes que o carrega e propulsiona
E nem minimamente sabemos para onde vamos
Na tarefa da verdade absoluta das coisas
É paradigma dito
Ditado
Sem nunca sabermos quem é o obscuro ditador
... onipresente e covarde.

Assim, derivando perdido pelas ruas
O que vem à minha cabeça sobre a interpretação do que sou...

A música sinestésica do Pink Floyd, ou o cenário social das construções sonoras de Chico Buarque; a poesia de Neruda; a imagem da obra de Niemeyer; a crítica existencialista de Sartre; os mil platôs de Deleuze e Guattari... Tudo isso emana do meu conteúdo, ao mesmo tempo em que a vida me atravessa o corpo em fragmentos ...

... barulho da ambulância próximo ao marulhar do mar ... cheiro do almoço próximo ao lixo ... sombra do edifício no mormaço do asfalto ... a beleza feminina enquadrada na degradação humana ... paradoxos de uma verdade pronta e mal resolvida.

... minha voz não consegue falar ...

E eu...
O que sou?
O que penso?

Paradoxalmente sou eu mesmo...

Recrio minhas imagens e interpretações em
devaneios
Saio ao mundo em compreensão diminuta
Afetando-me pelas circunstâncias do outro,
Faço registros rápidos, não há tempo para ter tempo...
Mesmo assim desacelero o tempo num gesto inconcebível a me questionar:

Como comunicar a forma e o modo do que se passa comigo?
Como falar do que observo, do que assimilo, do que compreendo dos outros?
Será que posso tomar autoria do que é muito mais doutros do que meu?

Preciso me colocar livremente.
O outro em mim deve ter a mesma liberdade,
Numa instância em que não exerço o condicionamento da enunciação.

Coloco-me,
Coloco a possibilidade, e imediatamente me retiro,
Abro lugar a outras interpretações e interações
Concluo que não me pertence o que penso,
Nunca me pertenceu... Isso é liberdade!

Apenas construí minhas relações...
Captei ao meu modo com antenas sensoriais que me pertencem
Cada um de nós as possui apontadas em alguma direção ou para todos os lados
Desatei minúsculas amarras que nos aprisionam sutilmente

Essa é a estrutura do trabalho que se perfaz:

... conteúdo, fragmentos, devaneios, impressões...

E tudo, praticamente tudo possui relações

O que ao longe transparece liso, polido, lustroso...
É a impressão primeira das dobras da vida

Ficamos parados contemplando a mesma
Ou imergimos na descoberta dos sentidos?

Cada um ao seu modo, abrindo portas, elegendo caminhos, deixando rastros...
Mas ao mesmo tempo construindo subjetividades e as abrindo numa plataforma imanente de coletivização dos desejos

E até mesmo voltar não se dará da mesma maneira...



+ paradoxalmenteeu 028

Exercício textual sobre a PLATAFORMA DE SUBJETIVIDADES.

2.5.08

AOS ESTUDANTES

Quando tudo é silêncio e deserto
É hora de a voz saltar
Do braço em impulso retomar o desenho
Do corpo em grafismo repovoar as cidades...
A timidez é o menor dos sentimentos a serem vencidos
O tom do som deve ser baixo
Nunca ruído...
Em altura suficiente a se fazer chegar aos ouvidos
Palavras ditas são verbos de mudança
Exaltar a voz
É grito último para quem perdeu a razão
Contundência nas atitudes...
E podemos edificar o que quisermos
Inclusive a nós mesmos
Não há guerra aqui, já existem suficientemente pelo mundo...
Não há soldados, mas arquitetos e urbanistas...
Temos que construir na destruição
E destruir as estruturas da injustiça humana
O território está aí
Repleto de vidas que não tivemos fôlego de ter por perto
E nos falta ar com tal responsabilidade...
Nossos pensamentos estão cheios...
É hora de repousá-los aqui, juntos
Na sala de nossa casa chamada CEMUNI III.

+paradoxalmenteeu 027

25.4.08

BEIRA MAR

Quando tudo não anda ao certo
É preciso ir ver o mar
Vagar descalço no gramado
Atirar pedras nas pedras calmamente adormecidas
Estas, submersas em lençol aquático
No suave toque úmido
Das carícias das marés
Em seus sonhos cristalinos
Sonham algas, sonham peixes, sonham nuvens de espuma salina
O trovão polvoroso nos porões dos navios
É prenúncio de partida
Destes mensageiros do tempo distante
Que flutuam recortantes a quietude angelical d’água
Ondulam em beleza reflexiva
As luzes da cidade
Espelhos abstratos
Nunca compreendi suas formas em verdade
A mentira que me escondes
É fluido escuro e noturno
Areia da profundidade
E mesmo embotado em lágrimas particulares
Após o choque contra a rocha
És brisa fina e passageira
Névoa
Sinopse em corpo em suspensão
Para mim
Depósito aliviante da minha maldade.

+ paradoxalmenteeu 026

9.4.08

SEU JARDIM


Sob a sombra de árvores anônimas
Soletrastes versos da alma verdejante
Levaste-me à estirpe do mundo
Para me mostrar desinibida o jardim que cultivaste.

Arrancou-me de terra infértil
Sacudiu-me das raízes ao tronco
Expôs-me à tempestade com suas palavras
E me fez deitar em solo para pensamentos...

Inverteu sintaxes
Transgrediu semânticas.

Tomaste-me pela mão em viagem insólita pelo mundo...

+ paradoxalmenteeu 025

25.3.08

ERVA DANINHA

Você me aparece sorrateira
E sórdida
Faz-me sentir moribundo
Rasteiro ao quase nada

Mas à rês do chão
Observo-te em falso escorço
Um monumento sem pedestal, sem proporção
Que toca a umidade do solo

De pés plantados
Tenho chance de ver-te enraizada
Imóvel
Enquanto meu olhar pode percorrer-te livre
Debaixo acima

Daqui percebo seu pranto cair
Do alto abaixo
No seu lamentar de estátua
Que sem saber me alimentas

Cultiva-me como erva daninha
Faz-me crescer aos poucos até te encobrir dos meus pensamentos.

+ paradoxalmenteeu 024

ESTADO MATUTINO

Estou atordoado de tal forma
Que me debato contra muros
Sou eu contra muitos
E não há necessariamente ordem.

Estado matutino

Câncer maligno
Vírus cristalino
Permanecer ou ir buscar...

Arremesso em estado bruto
É impacto no vidro
Estilhaçar...

Lutar com a vida é escolha!

Mão espalmada ou murrar?

Nocaute certo
Ferimento aberto
Abri-lo ou suturar...

Por enquanto permaneço na lona da vida buscando me socorrer...

+ paradoxalmenteeu 023

20.3.08




19.3.08

FRAGMENTOS

O pensamento é fluxo
Dormindo, sonhando
Tento argumentar comigo mesmo
Diante de platéia ilusória
Do que se trata o que digo,
Sobre o que quero falar? ...
Digo que pensar não é linha
Formato metodológico
Busca de uma verdade narrativa
Introdução, desenvolvimento e conclusão.
Pseudosofia da idéia
Mas "flashs" mentais
Erupções imaginativas
Uma imagem
Um verso
Um som
Um lugar
Uma pessoa
Pontos dentro de um pensar quase sempre branco
Luzes pronunciativas em cada canto de nós
Somos antenas
Vagantes pelo mundo
Corpos teorizantes da construção de nós mesmos
Esse serpentear de idéias se manifesta a todo o tempo...
E não adianta a clausura do quarto
Tentativa inútil de se aprisionar
Nosso pensamento está no mundo, no universo
Uma energia oscilante de complexidade e do simples
Podemos falar do que somos no vento, no crescer das plantas, no sol
Metáforas de nós mesmos
Desta forma uma postura interminável de expressão
Somos projetos de desejos
“O futuro é, portanto, o tempo forte da existência”¹
Coletivizados
Nunca solitários
É como se cavássemos para dentro de nós mesmos
E jogássemos nosso conteúdo no mundo
Para se nutrir
Para se refazer
Para se tornar novamente fértil
Para cultivar um ser em nós mesmos
Vejo que a discussão sobre sujeito é infinita
E a compreensão de mundo intangível
Inexiste o paradigma individualmente pronto
Embutido
Verdade para ser consumida
Agora,
Nesse exato momento
Faço como Teseu²
Deixo meu rastro marcado com linha
No emaranhado labirinto da compreensão
Risco o chão do meu caminho
Mas não com o propósito histórico de retorno
É um traço atemporal
Intraduzível
Indeformável num plano raso
Mas, experimento aberto sobre esse corpo incompleto
Obra que nunca concluirá
Pedaços de mim e de nós
Do outro e de outros
Fragmentos do fragmento
Paradoxos do eu.

¹ Sobre o pensamento de Jean-Paul Sartre. Revista Mente, Cérebro e Filosofia - volume 5, Pág. 58.

² Fábula de Teseu e o Minotauro do Labirinto.Em http://pt.wikipedia.org/wiki/Teseu

+ paradoxalmenteeu 022

18.3.08

CADENTES


Olhem para o céu!
As estrelas tiveram que morrer para nos dizer algo.

E estamos aqui
De olhos vendados
Com as cabeças arrastadas no chão.
Tropeçamos no vazio
E de costas ao frio
Estamos na sarjeta da multidão.

Olhemos o céu!
São mortes de tempo que nos disseram algo.

Não é mais momento de esperar estrelas caírem
Nem de tropeçar em sarjetas
Em que a multidão dorme ao frio.
Nossos olhos dão as costas vendadas
Às cabeças arrastadas ao chão.

Digamos algo!
Mas não me digam que as estrelas estão simplesmente mortas.

Não me digam,

...que demos as costas frias.
...que tropeçamos na multidão.
...que estamos de cabeças vazias.

Não me digam que nossos olhos caíram na sarjeta, ao rés do chão.

+paradoxalmenteeu 021

12.3.08

IMPREVISÍVEL


Tu és a certeza fulgurante do imprevisto.

Imprevisível...
Incrédula maldade de beleza.
Aquela que nos afeta
E nos desestabiliza.

Um rompante de olhar teu
Estupefata a natureza.
Que acabara de te criar como o maior dos teus feitos.

Teus olhos de profundidade oceânica
Inatingíveis...
Como salto precipital em lágrimas de cachoeira
Como o abraço na espuma branca e límpida.

Encontro rochoso com a névoa cristalina.
Sol em refração luminosa e colorida.

És ao mesmo tempo brutal e sutil
Fronteira entre extremos
Paradoxo da contradição.

Impensada,
Indizível...
És o reduto do mistério.
Tempo quebrado ao meio instante.

No exato momento em que te respiro
Falta-me ar.

Já não és mais a mesma...

+paradoxalmenteeu 020

10.3.08

AO MESTRE

Aos ensinamentos
Aos que andam
Aos que almejam voar
Desenhastes asas em nossos pensamentos
Como subterfúgio
A esse mundo enraizado
Fez-nos sementes dos teus conhecimentos
E, portanto filhos do teu conteúdo.

Somos ainda pequenas partes de Barbosa

Que crescem sob sua sombra...
Que balançam ao vento...

+paradoxalementeeu 019

...ao professor Eduardo Barbosa

VENTO


Sentir essa força invisível
Que retira dos corpos o estado paralítico
Como num flerte ao movimento

És envolvente

E sussurras aos nossos ouvidos palavras de galanteio
Num som suspirante que nos leva à dança

És levemente pesado
Pois carregas consigo toda a gentileza que te constitui
Um eu de muitos outros

Carregas a brisa
Levas a direção das chuvas
E dormes em agasalho de orvalho

Sem ti saudoso vento
Não compreenderias as coisas por completo

O gracioso arquear dos galhos
O correr superficial da areia como ampulheta quebrada
O movimento da espuma salivante do mar

Quero lançar tudo a ti vento
E falar que tudo que é vívido te saúda
E mesmo os dissimulados
E sólidos como rochas
Se esfacelam em grãos miúdos na sua presença

Na sua frieza estremecem

Até mesmo para as palavras
És a concepção do inaudível
Do que se esvai através de você

Guardas consigo as memórias
Dos que ninguém quer escutar
Pois pensamento é sopro vazio

Saudoso vento, saudoso pensar
Guarda-os com carinho macio

Rememores aqueles que um dia quiseram falar...


paradoxalmenteeu 018

9.3.08

ECÓTONE

Dormi na angústia das incertezas
Até que meu corpo se cansasse (no outro mundo) do sono
E se movimentasse até o sonho
Assim vieram imagens da realidade
Ou de um ideal projetado em minha cabeça
Qual o limiar da realidade?
Se quase sempre recorremos ao imaginário para transitar por esse mundo inacreditávelmente injusto
Não é uma espécie de dormência desmedida
Ou uma passividade do consciente

É devaneio
A dobra
do ecótone dos mundos sonhados e vividos.

+paradoxalmenteeu 017

QUARTO I

Tento colocar meus pensamentos dentro do quarto
Mas a clausura do espaço me contingencia
Determina uma angústia pela fuga
Para um mundo fora, afora
Junto ao vento e à sombra das árvores
Uma liberdade encontrada fora de mim,
Na eterna busca do que ainda não somos ...

+ PARADOXALEMENTEEU 016

7.3.08

CHUVA DA NOITE

Noite, joga em mim seu choro de chuva invisível
O tilintar metálico do seu trabalho atordoa
Batidas, repetidas e mais batidas em térreo água
Acaricias em toque refrescante líquido
Orquestrada destruição!

Profanas, invades, estupras...
Frestas, poros, terras...

Fertilizas virgens sementes.

Em sua marcha de açoite
Seus soldados perderam batalha
No campo escorre navalha
Rios riscados de sangue terroso...

+paradoxalmenteeu 015

4.3.08

DANÇA


Corpos flutuantes
Singelos instantes de cortar o ar
Movimento descontraído
Distendido
Alongado
É como se quiséssemos ser alados
Almejando voar.

Esculturas vivas
Despertas na dança
Expressas na plenitude do instante que conseguimos assimilar.

Ritmo, harmonia, entreatos
Hiatos de tempo
Natureza representada...
...superação da inspiração.

Ar, respiro, pausa.

Rio que corre saudoso para abraçar o mar.
É a quietude no encontro das águas
Espetacular

A brancura de vestes nubladas
Dilui com lágrimas a imensidão do céu.
Transbordam nossas retinas...

É conjunto que perfaz obra

É o toque no solo da alma com a ponta do pés...

+ paradoxalmenteeu 014 [... após o Ballet Bolshoi ...]

2.3.08

LUZ DE LETREIROS


Estou de fato sob a luz de letreiros,
que cingem o semblante
das milhares de mulheres amadas.
Mas diante do artifício da noite
surge naturalmente seu sorriso.
E torna obscuro
todos os excessos.
Aparo arestas e sombras desnecessárias
Anulo o que não me importa,
somente para te olhar.
Ver-te sorrindo se torna imprescindível.
Ofusca todas as luzes ao meu redor.
O mundo torna-se tão escuro,
a tal ponto da cegueira dos meus sentimentos
não enxergar mais nada.

E os últimos lampejos de luz
são para sinalizar.
O céu
ainda continua sendo seu.

paradoxalmenteeu 013
série: fragmentos de bar

ANJOS ATERRISSADOS

Sobretudo vejo anjos aterrissados
E é engraçado
Deus nunca quis me mandar nenhum para me salvar
Talvez porque eu seja abusado,
ou aborreça demais.
E tivesse que ir à Igreja,
ao invés do bar.
Pouco me importa.
Mulheres angelicais são pecados ambulantes,
difíceis de profanar.
Prefiro mulheres mundanas,
que dançam no simples fato de andar.
Com elas entramos nos céus,
e nunca desejamos sair de lá.

paradoxalmenteeu 012
série: fragmentos de bar

BOSSAL


Bossal é a harmonia da união! Exclama o amigo da mesa ao lado.

Surgem as loiras.
Aparecem as morenas.
Diante dos meus amigos tenho que parecer maiúsculo.
Mais que másculo.
Quero picotar todas as fêmeas
em mil pedaços.
Erigir monumento ao mulherio.

Bossal!

A noite chega.
Seu sangue esfria.
E no aconchego da mulher amada.
Admite.
É dela seu o domínio.

paradoxalmenteeu 011

série: fragmentos de bar

SENHORA DO CÃO

Eis que surge a senhora com seu cão
Submetida ao transe de sua dança solitária
...

Ele chega tímido... arrastado
Com olhar aproximado
Sobre o dançar da senhora com seu cão
Traz consigo uma sacola
Para talvez catar humilde
O que ela despejar pelo chão
...

Ver-te assim linda
Descomunalmente bela
Tão duradoura
Detentora do tempo
Ao seu lado cada instante é projetado ao infinito
Do pensamento do que é você em minha memória
...

Não me importo de dizerem que não és minha
O que falo com meus amigos?
Argumento!
Reitero para o mundo em dizer que te amo
...

Que depois de encontrar-te
Resta o perfume carmim dos teus dizeres
E é cada vez mais insustentável dançar na tua presença
Ver-te é a triste metáfora de não te possuir
Tocar-te novamente seria como nadar no dilúvio
Impossível é dormir sem imaginar
Que cada minuto da madrugada te celebra
E sempre serão dias de primavera
No jardim do meu te amar
É o abraço à distância

Penso, penso, penso...
O caminho que observo
É o que está diante de mim
Você

Recordarás quantas estrelas cadentes caíram em tua presença?
Recordarás o beijo sobre as árvores e a manta da noite que nos encobriu?
Recordarás o brilho do pôr-do-sol do cerrado?
Recordarás do frio que aquecemos com nossos corpos?
Recordarás dos seus quadris encaixados no meu corpo suado?
Recordarás?
...

Já não me importo que valse com outro amor
Qual a certeza que temos sobre a verdade?
Ambas, certeza e verdade, são incertas mentiras
O que resta apenas é enunciação da tua existência
...

Já não quero mais nada
Já me destes tudo
O sonho, o canto, a inspiração


De ti não espero mais
É um choro perdido na avenida
Entoado na flauta
Do artista que te faz dançar

paradoxalmenteeu 010

texto-legenda para vídeo: Senhora do cão



ESPELHO MARINHO

Tua voz...
Tem a sonoridade clara
dos versos inauditos.
És a suavidade do céu.
Azul...
Tingido de matizes brancos
e aguado de aquarela chuva.
Diante de ti
corre rio corrente em cólera
e o sol morre no teu pôr.
És espectro luminoso
que decantas radiosamente em teus cabelos solares.
Ando por chãos arenosos.
Na busca dos infinitos fragmentos
que despejastes tuas lágrimas cristalinas.
Olho para o horizonte que corre teu olhar.
Reflito na quietude de um espelho marinho.

paradoxalmenteeu 009

29.2.08

TRAVESSIA

Malabares de fogo,
mente que arde.
Saio às ruas,
não sou tão covarde.
Minha mente parece nua
e a angústia dos outros me invade.
Mutilo braços,
para um abraço inviável.
Dilacero pernas,
para um andar paralisado.
Quisera saciar a fome
com tal corpo inútil.

Tarde é o agora.


A chama congelou
numa calçada fria
e visto roupas
para agasalhar a alma.


A presença do outro me invade num abraço que é inviável.


O agora é tarde!

A chama morta não mais me chama.


+paradoxalmenteeu_008
série: fragmentos de bar

ENCONTROS

Encontro
Quando dois corpos se chocam denominamos encontro
Uma manifestação do corpo
Um evento da cidade
Epopéia da vida
Busca desenfreada e incessante
Somos sedentários se encontramos alguém
Nômades quando queremos encontrar
Na realidade encontro tem a ver com busca
Utopia de um mundo recriado
Na certeza do encontro com a morte
O que nos resta é encontrar fragmentos
Fragmentos de vida
Fragmentos de tempo
Fragmentos de espaço
Vida, tempo e espaço se perfazem em síntese
Fazem-se todo

... se fazem encontro...

+ paradoxalmenteeu 007

SEMENTE

Fecho meus olhos
E imagino ser o grão de vida semeado no dia anterior
Está escuro
Estou sozinho
Encoberto de terra negra e fecunda
Que me abraça no seu calor materno
Respiro pouco
Para ouvir meu corpo
E a chuva que branda é sinfônica
Me toca na possibilidade do amanhã
Fico imaginando cores, desenhos e texturas
No meu pensamento noturno
Sem nunca ter visto nada além da clausura
Estou envolto
Cristalizado
Em estado latente
Sou a simples recordação do que nunca fui
E a certeza de ainda não ser
Germina dentro de mim a vida
A vaga idéia da luz branca dos meus pensamentos
Aguardo o instante de deixar de ser trevas
A transição ofuscante da ausência para a presença
Dar a luz
Deixar de ser ponto
Grânulo aterrorizado
E me metamorfosear em linhas fototrópicas
Dançantes ao vento
Ser abrigo de pássaros enamorados
E teatro ao canto de um novo nascimento
Crescer em árvore frondosa
Com ramos para tocar o céu
Copa convertida em sombra projetada aos pés
E solitário
Espalharei meus versos ao vento
Numa anemofilia poética de procura
Cartas de folhas abertas
Desprovidas de envelope ou endereço
Simples grãos de pólen
Atravessando campos aos montes
Vencendo o tempo e a distância de alguém perdido
Quero ao fim encontrar descanso
Em corola perfumada
Entregar-me ao sono
Quero germinar parte de mim distante
Como pensamentos fugidios
Sem domínio
Sem pertencimento
E também sem mim
Transformado em substância livre e frutificada
Sou eu no outro
Como idéia madura sem conclusões
Repousado em chão pintado de preto.


+ paradoxalmenteeu 006

PRETÉRITO-MAIS-QUE-PERFEITO


Se eu tivesse feito
Se talvez fosse
Como poderia ser? Se tivesse sido
Como seria? Se se pudesse fazer e ser ao mesmo tempo
Meu eu conjuga verbos mortos
Como se o passado pudesse ter sido
Como se fosse possível existir algo acabado
Minha mente transita entre uma perfeição pretérita
E um futuro mais-que-defectível
A falha é o prenúncio da possibilidade
Território de prospecção
Meus ideais são inscritos na descodificação
No que não é
Nunca no nada
Posto que sou tudo aquilo que está a minha volta

E o que sonho é aquilo que me cerca.

+ paradoxalmenteeu 005

28.2.08

QUARTOS ESCUROS


Minha vigília é canto
Diametralmente oposto
Aos muros de concreto de tal realidade
É a luz que invade ofuscante
Diretamente nos olhos do covarde.

Insistem em voar alto sobre nós
De dominar o sol
Ser anteparo opaco
E tornar a vida de fato uma vasta escuridão.

Assombras de injustiça
O corpo que de nada vale
Posto que não conseguimos enxergar no sombrio.

Movimentos desordenados e débeis
Tateantes do vazio
Nossos braços buscam no que se apoiar...

E...
... existem inúmeros trancados em quartos sem luz ...
... existem incontáveis nas penitenciárias da existência ...


+ paradoxalmenteeu 004

manifesto

... sobre o dilema de sermos nós mesmos em nossos dias ...

Não se trata de uma biografia
Ou mesmo um manifesto narcisista
Mas como dito: “... o dilema de sermos nós mesmos em nossos dias ...”
De como nossos corpos são atravessados e dilacerados
Comprimidos e esmagados contra muros
Materializados na cidade
Cidade no sentido mais amplo
Posto que tudo esteja diante do todo
Na era do global
Universal – palavra de ordem, potência que se aplica a todos
E como se já não bastasse se recria o real a todo instante
No ciberespaço e nos meios midiáticos
Para muitos fuga a uma sobrevivência medíocre
Mas o que pode estar além das telas?
O esquecimento de como vivem a maioria dos nossos semelhantes?
Sobrevivência palavra “paradoxal”
Se a vida fosse entendida como um plano
Será que estamos vivendo sobre ele?
Transitando livremente?
Estabelecendo todas as relações que o nosso corpo permite?
Não
Para tanto deveria existir o termo “subvivência
Para descrever um modo nefasto de vida
Ou de penitência até a morte
Estamos imersos
E raramente emergimos para ver a luz do sol
Respiramos o suficiente para termos força para o trabalho e o consumo
Somos peças de uma máquina complexa
Regida por grandes engrenagens
Mas devemos ser o elemento que desestabiliza a lógica, o ultra-raciocínio, o senso comum, o enunciado de que tem que ser assim mesmo.
Neste caso ser paradoxo
Que nasce de nossos pensamentos
Mas que só encontra eco no outro.

+ paradoxalmenteeu_001

3.7.07

QUADRADO BRANCO SOBRE FUNDO BRANCO

O que está por detrás do branco?
Todas as coisas?
Todas as cores?
Milhares de janelas abertas ...
com a luz ofuscante do outro lado?
Ou será o reflexo tão claro ...
que não conseguimos enxergar?
A luz é o início
O escuro o fim
Mas há luz no fim do escuro
E a retina turva esmaece
Torna-se nítida
E ao mesmo tempo desaparece ...

+ paradoxalmenteeu_002

DEVANEIOS

O devaneio é como o céu,
as nuvens e todos os corpos celestes.
Quando quero sonhar olho para o alto.
E logo meu raciocínio lógico, enraizado,
flui se perdendo no branco.
Não sei se é uma introspecção,
se estou de olhos fechados,
ou isso é o resultado daquilo que vejo.
A sinestesia de tal viagem
É a certeza da captura onírica ...
do instante eterno.
Do pulsar do “segundo-momento”
E da não linearidade do fim, início, meio.
É a dobra da dobra exponencial.
Algo indizível
Um espelho diante do outro
Um objeto entre eles jogado ao infinito
Estar aqui e lá
Em nós e em nós mesmos
No outro e na multidão ...

+ paradoxalmenteeu_003